Beleza negra

Luana Rösler iniciou carreira como modelo aos 15 anos e sentiu de perto a realidade da discriminação em relação às mulheres negras. Depois descobriu o teatro, fez musicais e teatro de rua, estudou no Tablado de Maria Clara Machado e no Centro de Teatro do Oprimido de Augusto Boal, e aos poucos foi se achando...
Hoje, orgulha-se de sua cor e consome, feliz, os avanços n
a área de cosmetologia dedicados à pele negra, assim como para os cabelos.
Em seu trabalho como artista, luta para que as próximas gerações não sofram conflitos de auto-estima, e que mulheres negras se gostem como são.
Confira este belo depoimento.


Ao falar da beleza da mulher negra é necessário entender todo o processo de rejeição que estas mulheres enfrentaram ao longo da história, marcado pelo androcentrismo, patriarcalismo e escravismo. Eu, enquanto mulher negra, tive a chance de estudar e entender a história do meu povo; logo, sou consciente dos meus direitos e de quem sou. Desde a infância, buscava algo que nem mesma eu sabia discernir, mas hoje consigo ter uma leve impressão ao reparar nos ideais em que acredito: igualdade e justiça para todos. No entanto, minha alma buscava explicações: por que sou diferente? Minha mãe é branca caucasiana e meu pai, negro. No linguajar mais popular, sou "mulata", quantas vezes disseram que não era negra e, sim, "mulata" ou "morena", pelo fato de acharem a palavra "negra" agressiva?
Soava o primitivismo e o confirmei até saber que o significado da tal ter origem histórica na palavra "mula" pois, segundo os livros, na época da escravidão os brancos portugueses estupravam as negras, e seus filhos eram rotulados como mulatos, já que mula é resultado da cruza de duas raças diferentes... e saber desses detalhes no auge de minha adolescência não foi fácil...

Quando comecei a carreira de modelo, me percebi bonita e achava que todos os meus problemas desapareceriam, mas vários acontecimentos provaram-me que as lutas estavam apenas começando. Na seleção das modelos, eu era a única negra. Não poderia deixar de perceber essa gritante diferença. Mas o fato é que aquilo que vemos em catálogos e comerciais não corresponde à realidade étnica nacional.

Ali, então, desencadeou-se um processo de reconstrução da minha auto-estima e, em última instância, sabia que o diferente somente encontra a sua totalidade naquilo que ele não é.
No início de minha carreira como atriz, disseram que não poderia fazer tal papel por ser negra, até aí eu aceitei, mas algo se rompeu dentro de mim. Era uma luta interior, a luta contra a resistência. Sempre soube que não havia nada pessoal mas, sim, a ver com a formação da nossa sociedade. Depois de formada, teria que cumprir meu dever de ser uma boa advogada e lá estava eu querendo provar para Deus e o mundo minhas potencialidades. Não imaginava que a intensidade da minha luta interior aumentaria. Sempre fui muito crítica, além do normal comigo mesma, e então na área profissional tornou-se um martírio.
Nós, mulheres negras, não estamos lutando por ascensão social, mas, sim, pelo direito de sermos diferentes.
Queremos ter acesso ao que somos e ter nosso próprio canal de comunicação. É o tipo de coisa que faz a gente gostar mais da gente, do nosso corpo, dos nossos cabelos, dos nossos traços étnicos.

Hoje, consumo somente o que for adequado para minha pele e percebo, feliz, que existem avanços na área de cosmetologia dedicados à pele negra, assim como para os cabelos. A militância gerou uma certa consciência e hoje existem produtos maravilhosos, desde a marca francesa Lâncome até Iman.

Adoro mudar o visual dos meus cabelos, ora são lisos, ora cacheados, ora trançados, e sempre mudo a cor. Não estou, com isso, dizendo que nós, negras, estamos disputando alguma coisa com as mulheres brancas. Não! Estamos lutando, como está fazendo o movimento feminista clássico, por igualdade de direitos e busca de aceitação. Apenas queremos nos reconhecer belas combatendo os pensamentos sexistas, classistas e etnocentristas que tanto nos perseguem.
Enquanto artista e negra, muitas são minhas lutas.
Posso deixar de ser e fazer qualquer coisa, mas nunca poderei deixar de ser mulher e negra; sendo assim, farei o possível para que as próximas gerações não sofram conflitos de auto-estima, e se gostem como mulheres negras que são. Mas para isso acontecer é necessário impactar a sociedade brasileira, mudar mentalidades e comportamentos, e perceber o quanto a mulher negra é linda e merece respeito.

LUANA RÖSLER
Atriz e cantora
www.luanaroesler.com.br
luanarosler@hotmail.com
RIO DE JANEIRO/RJ

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